quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Reencontro

Se acontecesse, seria mentira. Se não fosse, diria que era. Híbridas sensações ao primeiro instante. Curiosidade atrealada ao conhecimento que outrora fora de um doutor, mas que agora não passa a de um mero leitor de primeira viagem. A boataria tinha se espalhado. Tantos nomes e histórias dignas de Cristõvão Colombo. Impressões e julgamentos dos espectadores, pois assim chamávamos aqueles que nos observavam como maricotas nas janelas.
A música não tocava mais, talvez por isso eu mal lembrasse das palavras. Meu receio se encontrava em estado de coma, embora a minha existência negasse por si mesma que ele existisse. Não era preciso conjecturar muito para notar que a ausência tinha se tornado indiferente. Com destreza e involuntariamente me equilibrava no fio que dividia o passado do futuro. O presente não existia. O suor das mãos. Hesitei. Só podia ser assombração. Não eram as mesmas cores, participantes, nem ao menos as vozes, mas tive que valorizar que o tempo foi mais bondoso com ela. Os assuntos se perdiam em meio à falta de sintonia. O que praticamente era extensão do meu corpo, mente e coração, agora era um encontro ao desconhecido. Minha cabeça entrou em parafuso. O coração se mantia invólucro. Ele já não me pertencia. Seria preciso a dona me entregá-lo para que talvez eu pudesse o controlar.
Vento. Que você só percebe quando passa. A comparação foi inevitável. Ficou o modo de mexer nos cabelos, o jeito com que ela olhava as unhas e o sorriso meio sem graça com o canto esquerdo da boca. Graciosidades mantidas meio como por herança de uma outra pessoa.
Quando parti, me perguntaram:
- E os olhos?
Meio de ombros, respondi:
- Os olhos? Não tenho a resposta se eram os mesmos. Meu palpite? Talvez esbranquiçados e escondidos por um destino impensável, mas ainda sim poderiam ser o mesmos. Sem pestanejar, os evitei. Sabia que não eram mais a bússola da felicidade. E os olhos têm poderes que desconhecemos. Melhor negá-los. Qualquer desconforto soaria como valente, entretanto, acredito que seria inútil. Afortunadamente, eu amo outra vez.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Veja bem, meu bem

Ela acordou alguns minutos atrasada. Banho rápido e um dentre nove iogurtes lights que estão na geladeira e ela está pronta. Manobra o carro rapidamente, pois é muito segura de si no volante.
No primeiro farol, se abre o estojo de maquiagem. Alguma sombra para corrigir as fracas olheiras das noites mal dormidas. O trabalho a tem consumido. Um lápis preto pra fortalecer ainda mais seus traços e uma rápida escovada nos cabelos. A vida foi graciosa com ela, pois parece que passou o dia no salão.
No próximo cruzamento, leva uma fechada brusca de um ônibus. Ela buzina veemente, acena com a mão e pronuncia algumas palavras que não combinam com tanta beleza. O motorista ri e ela se enfurece. Afinal, sabe muito bem o que faz e fica indignada quando não é levada a sério.
Chega na agência. Sai do carro rapidamente puxando a bolsa. Sorridente, cumprimenta o Seu Valdisnei da portaria e agradece por ele ter manobrado o seu carro enquanto ela estava em reunião. Passa quase que correndo pelo corredor e entra na sua casa, digo melhor, sua sala. Algumas flores, fotos de fotógrafos famosos, reproduções de Vangó e Miró. Notebook sobre a mesa, cafeteira no canto da sala, poucos porta-retratos. CDs e DVDs espalhados por todo canto. Três diplomas emoldurados. Universitário numa universidade particular, mestrado na tão desejada pública e doutorado na Inglaterra. A mobília é toda antiga, escolhida a dedo.
O telefone toca, sua secretária diz que os clientes internacionais já estão prontos para reunião.
Mesa posta. Clientes, diretores e investidores. A reunião acaba em algumas horas.
Ela volta satisfeita para a sua sala. Sabe o quanto é boa no que faz. Sabe o quanto é bonita. Sabe o quanto se preparou para a vida.
Almoça com algumas amigas. Salada e grelhados. Conversam sobre moda, filmes, trabalho e homens. Ela não se alonga no assunto e diz que homem não faz parte dos seus planos.
A tarde é de telefonemas e acertos com prazos e produção. A campanha será monstruosa. Já era meio da noite e ela fecha a porta da sua sala, dá um adeus exausto para os sobreviventes na agência e desce as escadas calmamente.
Um trânsito de vinte minutos para andar três quilômetros faz ela ligar o rádio e cantar desenfreadamente. Beatles, Noel Rosa e aquela banda do seu amigo, último affair da sua vida.
Chega na academia, quinze minutos de esteira e revistas de comunicação, quinze de bicicleta e uma folheada rápida na Vogue. Aeróbica por outros quinze. É precisa como um relógio. Um banho mais rápido do que o da manhã, um lanche natural na lanchonete e lá está ela de volta no carro. Não pronunciou uma palavra nesta última hora.
Em casa, a banheira já está pronta pela sua empregada, fiel escudeira há seis anos. Ela escuta a novela que vem do quarto dos fundos e apenas sorri. Pega seu Sartre, que começou há um mês e não consegue terminar, entra na banheira e ali permanece por mais de uma hora.
Na king size, fica na dúvida entre episódios daquela famosa siticom e o filme francês indicado pelo amigo gay. Escolhe as risadas, mas em poucos instantes está encolhida, num mínimo canto da sua gigantesca cama. Cobre o rosto com cobertor e tenta esconder uma lágrima que desce desenhando a sua face. Parece que quer esconder o choro de alguém, mesmo estando sozinha. Talvez, dela mesma.
No fundo, ela só queria o amor. Mesmo que ela não saiba.

segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

De todas as maneiras

Ontem mesmo eu pensava sobre as injustiças da vida. Uma delas é o Chico Buarque.
Pra começar, sem culpa alguma, ele começa filho do Sérgio Buarque de Holanda, o cara que definiu nosso país em Raízes do Brasil. E só pra não passar em branco, é sobrinho do Aurélio Buarque, aquele mesmo do dicionário. O que conquistaria qualquer uma que visa ingressar numa família de nome. Aplausos para ele.
Poucos sabem, mas o Chico aos 18 anos roubou um carro para passear por São Paulo com um amigo e mais adiante, na música Jorge Maravilha, manda um recado para o bonzinho general Geisel que governava nosso país. Recado simples, tipo: - Peguei sua filha e foda-se! E ainda dizem as más línguas que ele batia na Marieta. Diz pra mim se ele não conquistaria qualquer uma que tem aquela famosa tara por maus elementos? Ponto para ele.
Nosso grande hermano Chico Buarque de Hollanda foi considerado o inimigo nº 1 da ditadura militar. Foi preso, fez as mais incríveis cartas de protesto, foi exilado, brigou, voltou, driblou a censura. Enfim, um auê só. O Juninho da Adelaide deixaria as estudantes gostosas, politizadas e tietes do Che e do Lênin em fila. E sem as calças.
O digníssimo amado e bem visto Chico Buarque escreveu algumas das peças mais espetaculares do nosso país.
As atrizes então seriam sopa.
Os livros? Perdi as intelectuais.
O Seu Francisco, que foi carinhosamente assim chamado pelo Oswaldo Montenegro, tinha alguns amigos, que ele chamava de parceiros. Coisa fraca. Tom Jobim, Vinícius de Morais, Edu Lobo, Milton Nascimento, Caetano Veloso, Francis Hime.
As interesseiras fariam plantão na porta do homem.
Carioca e futebolista. Este tipo de mulher não necessita de apresentações.
Talvez eu tivesse alguma chance na música. Construção, Feijoada Completa, Pedro Pedreiro, Vai Passar, Á Flor da Pele.
Pô, eu posso conseguir isso! Não parece tão difícil.
Mas o amado corno do Chiquinho tem a porra da alma feminina, ou seja, pensa como mulher. E por fim se vão todas as mulheres do mundo. Que filho da puta!
Nelson Rodrigues sabia das coisas quando disse que todo homem ao lado do Chico é um corno em potencial.
A vida é assim mesmo. O pior de tudo é ainda por cima eu gostar desse cara. Aliás, nem me esforço pra esconder que ele é o meu favorito. Vou fazendo a minha às custas dele, fazer o que? A vida é sempre injusta, mas alguma vez ela poderia ser injusta ao meu favor.
E nem falei dos olhos azuis.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

quero ver

Deixo os olhos para o final.
Afinal, neles estão todos os segredos.
E todas as mentiras.
Fascinam independente de serem verdadeiros.
É o ponto letal. A bomba atômica do coração do homem.
Providos de toda boa e má intenção são capazes de tudo.
E tudo se reflete neles.
Basta enxergar.
Com os olhos.

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Fevereiro

Tá chovendo pra cacete ultimante. Chuvas descomunais. Que duram cinco minutos, o tempo de fumar um cigarro. A famosa tromba d'água. Aliás, porque uma chuva forte se chama tromba d'água? Isso me lembrou os piores momentos das nossas vidas. Como dentro da tromba d'água. Vc não quer nem abrir os olhos e fecha os ouvidos por causa dos trovões. E logo você mal lembra que ela veio.
Mas para você é o extremo.
O fim do mundo.
A rua da amargura.
O fundo do poço.
Aquele assalto que vc tem certeza que o Rocky cairá com o próximo gancho.
Mesmo como únicos(?!) seres racionais, caímos no conto da tristeza eterna numa mínima fração da vida. O conto do coração vigário. Conotação exagerada se faz muito presente na adversidade. Fazemos disso um momento quase mórbido. Tem gente que até chama de curtir a fossa. Escutamos radiohead e nos achamos tristes de verdade. Quando o assunto é amor então, aí a casa cai. Vale até música goiana. Mas só até o próximo perfume aparecer.
Sempre aquele momento é o pior do mundo. E ainda achamos que nunca alguém passou por aquilo. Só o Rocky.
Nossa vida tem o sério costume de valorizar a dor.
Ou a dor valoriza a vida?
Só sei que chove pra cacete. E pára em cinco minutos.
E parece ser belo perto dos londrinos. Lá chove sem parar.